13/04/2020

“O Brasil parou, piorou e pirou”, diz ex-presidente do IAP

Matéria publicada pela Editora Bonijuris – Ver Original 

Para Hélio Gomes Coelho Jr., após a pandemia e o pandemônio, que lhe sucederá, país precisará de um presidente menos pândego que não retire da população e da economia a capacidade de pronta recuperação.  “Bolsonaro convive muito mal com a sensatez”.

Professor de direito do trabalho na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, o advogado Hélio Gomes Coelho Jr. não poupa críticas ao presidente da República, Jair Bolsonaro. Pouco mais de um mês após a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, Bolsonaro insiste que a doença pode ser combatida segundo preceitos que contrariam as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e as medidas adotadas por outras nações que enfrentam o mesmo drama, em maior ou menor dimensão. Sob uma ótica predominantemente jurídica, mas também política, Coelho Jr., que ocupou a presidência do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) até o ano passado, diz que Bolsonaro já poderia estar respondendo por crime de responsabilidade ao referir-se à pandemia como um problema econômico e não de saúde pública. De acordo com ele, o impeachment do presidente agora é desnecessário porque a sociedade já lhe virou as costas. A razoabilidade também. Recentemente, Bolsonaro afirmou, em entrevista, que ganhou a eleição no primeiro turno, sugeriu fraude no pleito e disse que tinha provas, mas não as apresentou. Fez um pronunciamento na TV dizendo, a respeito do coronavírus, que enfrentávamos o maior desafio de nossa geração e, alguns dias depois contrariou as recomendações do seu ministro da Saúde saindo às ruas para cumprimentar comerciantes e defender o uso da hidroxicloroquina como remédio para conter o avanço da doença – o que não se comprovou. “O que preocupa é o desprezo que ele tem às instituições. É um insensato sob controle”, diz Coelho Jr.

Há sustentação legal para afastar o presidente da República por crime de responsabilidade? Das sete hipóteses especiais contidas no artigo 85 da CF, Bolsonaro já incorreu em quatro: o livre exercício do Poder Legislativo e do Judiciário (inciso II); direito individual e social (inciso III); a segurança interna do país (inciso IV); e a probidade na administração (inciso V).

O impedimento, que sempre decorre de uma infração constitucional, é antes de tudo eminentemente político. Não se percebe ambiente à marcha de mais um processo que apeie mais um presidente da República. Dora Kramer, em um bom artigo, cataloga que, nas últimas décadas, tivemos dois presidentes que morreram antes da posse, um renunciou com a esperança de retornar ungido pelo povo; e, ainda, dois outros foram “impichados”. Muito em tão pouco tempo. A sociedade brasileira parece ter enfim percebido, via pandemia e calamidade pública, a exata dimensão do seu presidente atual. Por outras, um homem inabilitado para assunção das responsabilidades inerentes ao cargo que ocupa. Apresenta-se de calção e camisa de futebol à nação. Se expressa mal. Não consegue sustentar um diálogo que exija conhecimento, justificada, assim, a descortesia e deselegância mínimas, que são exigidas de um homem comum. O que dizer quando não são vistas em um presidente. É deseducado por formação, chulo por convicção e falador contumaz de tontices e bravatas. Por outras, a sociedade virou-lhe as costas e preferiu ouvir e seguir aqueles melhores qualificados profissional e pessoalmente, a partir da postura pessoal e intelectual que têm. Que o presidente cumpra o mandato que o povo lhe outorgou, sem ousar passar da figura pândega que resolveu adotar.  Teme a sociedade um golpe? Penso que não, pois a sociedade está atenta e, sem receio de errar. Creio que os próprios ministros, que lhe devem obediência mais do que nós, já perceberam o trabalho a fazer: trabalhar, trabalhar e trabalhar. A propósito, os próprios militares de alta patente que o rodeiam, até onde é possível perceber, têm melhor formação intelectual, guardam a sensatez e entendem as funções que exercem a partir da Constituição Federal.

Se ficarmos somente no que diz a letra escrita, a lei 13.979//20, que trata de medidas para o enfrentamento do coronavírus parece atingir em cheio o presidente da República quando prevê, em seu artigo 3º, o isolamento, a quarentena e a determinação de realização compulsória de exames médicos. Bolsonaro viajou para Miami e 24 dos membros da comitiva (até a última contagem) haviam testado positivo.

Quem observa um pouco a história de vida do presidente, certamente, já constatou que ele não tem apreço pela educação, conhecimento e intelecto. Prova disso é que na sua longa vida parlamentar é impossível indicar um só ato significativo. E olha que exerceu muitos mandatos eletivos. É o seu modo de ser – ou não ser –, que parece ser também característica dos seus filhos que, sem qualquer freio, vivem a expô-lo em situações constrangedoras interna e externamente. Perda de tempo, apontar uma a uma. E estão no parlamento, pela via do voto. Ainda assim, desdenham da democracia. Em um país sério, as infrações que cometeram, certamente, propiciariam processo disciplinar severo. Tivessem lido mais, desde jovens, certamente teriam aprendido que “todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas” como ensinava Goethe. O presidente convive muito mal com a sensatez. Não tem a mínima intimidade com ela. Aqueles que estão próximo dele (generais e ministros), na realidade, douram a pílula, justificando que ele é franco e direto. Pessoas francas e diretas há muitas, mas não necessariamente são intempestivas, impertinentes ou grosseiras. Não se justifica o injustificável.

Há outra questão discutida por alguns juristas: a de que o presidente incorreria no artigo 129 do Código Penal, que trata em seu caput de ofensa à integridade corporal ou saúde de outrem, com pena de detenção de três meses a um ano. Ele teria cometido lesão grave nesses termos ao visitar o comércio em Brasília e cumprimentar pessoas.

Até é possível assim afirmar. Mas, francamente, um desperdício de tempo e energia. Ouvi-lo falar é tormentoso. Disse que ganhou a eleição no primeiro turno e que tem provas. Quis emplacar o filho como embaixador em Washington. Ofendeu cruelmente uma jornalista. Tem um fetiche por Trump. Tem Olavo como referência. É incapaz de admitir qualquer contraparte, não por convicção lastreada no bom raciocínio, na elementar lógica e no necessário suporte cultural, via filosofia, sociologia, política, história e quejandos, mas por desinformação mesmo. O seu repertório é o do pequeno varejo. Preocupa, sim, o desprezo que têm às Instituições e aos Poderes.Não tenho dúvida, se se aventurar a transgredir a Constituição Federal será apeado do cargo.É visto como um pândego sob controle.

O Twitter apagou duas mensagens de Bolsonaro que cantavam loas à cloroquila. Foi o segundo caso de um presidente que quebrou as regras impostas pelo Twitter em tempos de pandemia. O primeiro foi Nicolás Maduro. Indicar remédios que não são comprovadamente eficazes contra a doença, no caso de Bolsonaro, não sustentariam também um impeachment?

Perceba a dimensão: é um tuitador, coisa de quem está com tempo ocioso.  Se os partidos políticos e a sociedade não gerarem nomes para a próxima eleição, teremos a possibilidade de ter o mais do mesmo. Mas o país, que cairá em grave recessão econômica, deverá muito se esforçar para pinçar nomes que possam cogitar conduzi-lo com melhor performance.

Ao que parece, em se tratando da pandemia, o presidente prega no deserto. A imprensa internacional o definiu como “o último negacionista” e o apelidou de Bolsonero.

Em um país de duzentos e dez milhões de pessoas, quem efetivamente o ouve? Aposto que sequer a família. De notar, que os familiares do presidente não lhe acompanham nas “incursões” desarrazoadas. Faz sentido.

A persistir o governo de Bolsonaro ele não repetiria a mesma atitude de Jânio Quadros que renunciou no dia 25 de agosto, dia do soldado, jogando a culpa em “forças ocultas”? Sabe-se hoje que ele pretendia voltar nos braços do povo com poderes amplos. Bolsonaro sonha com a mesma possibilidade?

É claríssima a intenção dele em obter um novo mandato. Aqueles que estão próximos dele experimentam vez ou outra a sua personalidade, que não convive bem com a qualificação dos outros. Moro, Guedes e Mandetta são exemplos vivos. Adaptando Fernando Pessoa: tudo vale a pena quando o intelecto não é pequeno.

Além de salvar vidas, será preciso que o país também salve a economia. Informações dão conta de que o rombo pós-pandemia será de R$ 300 bilhões. Até agora as propostas apresentadas, inclusive pelo governo, visam sacrificar empregos, suspender contratos de trabalho ou reduzir jornadas e salários. Na perspectiva do direito do trabalho, o que será necessário para enfrentar essa crise sem precedentes?

Ficaríamos felizes se o pós-pandemia trouxesse o rombo indicado. Em tom de blague macabra, circulou nas redes que, depois da morte de CPFs, haverá um maior número de mortes de CNPJs. Não há dúvida que, depois da pandemia, teremos uma depressão econômica inimaginável.  A Medida Provisória 936, recém-editada, prevê a redução de jornada e salários e suspensões de contrato àqueles que estão empregados. É certo que as dispensas no mercado formal já são realidade e a paralisia da economia informal é absoluta. O Brasil parou, piorou e pirou. E enfrentamos apenas as primeiras semanas de alguns meses.

O governo acenou com a possibilidade de injetar dinheiro na economia, como estão fazendo Estados Unidos e Alemanha. Mas é preciso também resguardar direitos. Como o senhor encara esse desafio?

O Brasil fez a reforma previdenciária porque os números divulgados sobre ela eram estarrecedores e a bancarrota era tida como certa.O governo já projeta gastos ainda maiores para o enfrentamento da doença. Deverá sim injetar recursos e tecer políticas que animem a economia privada que, também, deve assumir a função que lhe cabe, na medida em que ela também colheu frutos em outras épocas e, agora, os proprietários e acionistas também terão que contribuir para a saúde dos seus negócios.As reformas administrativas e tributárias estão adiadas e sabemos todos quanto nos custa a burocracia estatal e os nichos de conforto em um país quebrado. A questão tributo e custo do Estado são de difícil resolução.As relações jurídicas públicas e privadas estão a caminho da desorganização. Teremos a atuação do Judiciário em ativismo sempre perigoso, pois tende a não aplicar a lei posta e, sim, a lei que supõe ser a ideal.A pandemia deve ser considerada menos preocupante à vista do pandemônio em que estaremos metidos. Incluam-se ainda as eleições próximas no curso de um ano já perdido. Que o Brasil use o voto para dizer o que pensa e o que quer.O Brasil continuará de costas para o presidente, mas, não se duvide, se ele continuar pequeno e inapto para os cometimentos que o cargo impõe e imporá, poderemos ter um novo caso de impedimento, o que não será o desejável. Que a pandemia (atual), o pandemônio (que lhe sucederá) e um presidente menos pândego (desejo nacional) não nos retirem a capacidade de pronta recuperação.

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