28/01/2018

“Liberdade de expressão é direito fundamental, mas não absoluto”

Entrevista – Bianca Botter Zanardi

Por Maria Sandra Gonçalves

Lá se vão quase nove anos desde o dia em que o advogado José Lúcio Glomb teve a ideia de criar no Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) o Prêmio Francisco Cunha Pereira de Liberdade de Expressão. A inspiração veio de uma coincidência triste. No dia em que Glomb assumia a presidência em sua primeira gestão à frente do Instituto, o conhecido empresário, jornalista e advogado associado ao IAP era velado no prédio do Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade. Sua dedicação ao Paraná por meio da Gazeta do Povo e de seus demais veículos de comunicação, pensou Glomb, era um legado a ser aplaudido e eternizado. Assim nasceu o Prêmio. Em 2010, já na gestão da presidente Rogéria Dotti, os trabalhos enviados sob pseudônimos foram analisados pela comissão julgadora. No mês de agosto, revelou-se que a monografia vencedora da primeira edição havia sido escrita pela advogada e jornalista Bianca Botter Zanardi, então com 26 anos.

Para Bianca Zanardi, a necessidade de formalizar a liberdade de expressão como direito fundamental na Constituição Federal demonstra que nossa sociedade ainda não está tão preparada para respeitá-lo. A advogada e jornalista destaca ainda que a liberdade de expressão não pode ser ilimitada. Em entrevista ao site do IAP, ela comenta o tema e fala sobre sua trajetória profissional.

 

O que a fez optar pelo Direito?

Sempre acreditei na ideia de justiça e desde muito nova queria cursar Direito. No último ano do ensino médio me apaixonei pelo Jornalismo e optei por aliar os cursos, começando os dois juntos. Jornalismo terminou primeiro e comecei a trabalhar na área. Após vencer o Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho, decidi priorizar a área jurídica.

 

Já na universidade você se interessou pelo tema da liberdade de expressão? Produziu algum trabalho sobre isso?

Sempre associei o estudo da mídia às ciências jurídicas. É fascinante a relação entre estas duas áreas. Na graduação em Jornalismo (Universidade Positivo) defendi o trabalho “A Influência da Mídia no Poder Judiciário: a interferência dos meios de comunicação de massa nas decisões proferidas pelo júri popular”, que recebeu o Prêmio Sangue Novo de Jornalismo, do Sindicato dos Jornalistas do Paraná. Na graduação de Direito (Unicuritiba), fiz uma pesquisa mais teórica, analisando a concepção de justiça emitida pelos meios de comunicação de massa.  No curso de pós-graduação (PUC-PR) fiz o seguinte estudo: “A Influência da Mídia no Poder Judiciário: a concepção de justiça emitida pelo Programa Linha Direta”.  Montei um grupo de discussão para verificar como um programa televisivo sobre questões jurídicas poderia influenciar na concepção de justiça de formadores de opinião. A relação entre mídia e Poder Judiciário já era um tema recorrente, que eu gostava de pesquisar. Tive sorte com o tema escolhido para lançarem o concurso. Está nos meus planos prosseguir com estes estudos em um mestrado.

 

Como soube do Prêmio?

Eu não conhecia o Instituto dos Advogados do Paraná. Na época eu advogava pouco e estava ausente do mundo jurídico. Trabalhava como editora de Jornalismo de uma emissora de televisão. Vi o anúncio do Prêmio no jornal da OAB e me interessei pelo tema, justamente por relacionar minhas duas paixões: jornalismo e direito.

 

Como foi a produção da monografia para o concurso?

Lembro-me que fui à Universidade Positivo e transcrevi à mão trechos do livro do professor Miguel Reale, “O Estado democrático de direito e o conflito das ideologias”, que estava no acervo Roberto Campos da biblioteca. O livro não poderia ser retirado da sala. O jeito foi copiar vários trechos que poderiam ser usados depois. Acredito que foram cerca de dois meses de madrugadas seguidas escrevendo. A dificuldade maior foi não ter um orientador. Também foi um desafio analisar histórias noticiadas pela mídia com olhos isentos, pois a liberdade de expressão também é usada para conduzir a opinião pública em busca de uma resposta satisfatória à sociedade.

 

Que pseudônimo você usou?

Meu pseudônimo foi paranaense08. Levei muito tempo para escolher. Optei pelo 8, que representa o infinito, e pela palavra que representa uma das afinidades que eu tinha com a personalidade inspiradora do prêmio: como o Dr. Francisco Cunha Pereira Filho sou paranaense, jornalista e atuo na advocacia.

 

Como você recebeu a notícia de que havia vencido o concurso e qual foi sua reação?

Eu estava produzindo o telejornal do dia quando recebi um telefonema. Era a então Presidente do IAP Rogéria Dotti, informando que eu havia vencido. Fiquei muito emocionada.

 

Que memórias ficaram da noite de entrega do Prêmio, 4 de novembro de 2010?

Compareceram grandes nomes da OAB Paraná e do IAP. Tivemos a oportunidade de ouvir, dentre outros, o então presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. Estava com minha família e pude agradecer pela experiência única. Foi uma noite memorável.

 

O que representou o prêmio em sua vida pessoal e na sua carreira jurídica?

Pouco depois, saí do meio jornalístico e passei a me dedicar à carreira jurídica, com foco nos concursos públicos. O Prêmio me abriu portas. Ingressei no IAP e na Comissão de Liberdade de Expressão da OAB Paraná. Até hoje a conquista repercute positivamente e fico feliz ao ver meu estudo referenciado em outros trabalhos.

 

A quais atividades profissionais você se dedica hoje? 

Sou Procuradora do Município de Cuiabá, advogando em prol da Fazenda Pública. Exerço também a advocacia privada e consultorias. Antes, fui analista do Ministério Público de Contas e também técnica do seguro social.

 

Este ano lembramos dois marcos importantes da história do Brasil: os 50 anos do AI-5 e os 30 anos da Constituição Federal. Você considera que a liberdade de imprensa está ameaçada no Brasil?

A opinião pública hoje é formada por uma infinidade de fontes. Há inúmeros meios de comunicação que propagam informação em grande velocidade e com um alcance incrível, dificultando o cerceamento de expressão. Não vejo que a liberdade de imprensa esteja sob ameaça como na época do AI-5. O ato institucional trouxe anos de censura e a liberdade de expressão tornou-se um direito a ser conquistado. Tanto que foi preciso formalizá-lo como direito fundamental na Constituição Federal de 1988. A necessidade de escrever este direito para que ele ser garantido demonstra que nossa sociedade ainda não está tão preparada para respeitá-lo.

 

Tramitam no Congresso mais de uma dezena de projetos legislativos diretamente vinculados à liberdade de expressão. Desses, pelo menos 11 propõem fixar punição ou abrir processos de investigação. Quais são, na sua visão, os limites para a liberdade de expressão?

A liberdade de expressão é fundamental numa sociedade democrática. No entanto, não é direito absoluto. Há limitações impostas por outros direitos fundamentais tão importantes quanto ele. Deve-se respeitar, por exemplo, o direito à privacidade, à intimidade e à honra. Em caso de conflito entre estes direitos, cabe ao Poder Judiciário ponderá-los e verificar se houve ou não abuso da liberdade de expressão em detrimento a outros valores constitucionalmente protegidos. Os projetos de lei que propõem fixar punições e processos investigativos devem ser avaliados com cautela.

 

O Marco Civil da Internet foi promulgado em 2014 e regulamentado em 2016. Apesar de recente, há centenas de projetos que propõem sua mudança. Na sua opinião é um movimento normal nesta era da velocidade tecnológica ou sintoma de um esforço pelo cerceamento da liberdade de expressão?

O longo processo legislativo não acompanha os avanços tecnológicos e as regulamentações que todas estas novidades pedem.  Há casos, sem normatização, resolvidos com auxílio do Poder Judiciário, que muitas vezes julga na lacuna da lei, pois não pode deixar de dar uma resposta à demanda. É importante regulamentar, tomando-se o cuidado de que a limitação não se transforme em censura. Não conheço todos estes projetos, mas acredito que muitos se repitam, com pequenas nuances. Não os percebo como tentativa de cercear a liberdade de expressão. Vejo que há uma necessidade em salvaguardar maior número de direitos. Nossa legislação não está preparada para solucionar inúmeros casos que envolvem a tecnologia de que dispomos hoje.

 

Um dos aspectos não mencionados pelo Marco Civil da Internet é o direito ao esquecimento, defendido por aqueles que são apetados pela perenidade de notícias e registros no mundo digital e condenado por quem buscar preservar o direito à memória. Qual sua opinião sobre o assunto?

Considero importante existir o direito ao esquecimento. Infelizmente, a velocidade da mídia e a amplitude da internet dificultam o exercício deste direito. O mundo digital é um território vasto e de difícil controle, em que a ofensa à honra de alguém pode se espalhar em segundos. Depois da proliferação do tema, dificilmente um direito de resposta reverterá a imagem destruída por uma notícia. Também penso ser justo preservar a privacidade e intimidade das pessoas. Há situações em que não convém relembrar do passado e a existência destas informações nas mídias traz prejuízos muito significativos para a dignidade de uma pessoa.

 

Que mensagem você deixa para os jovens advogados quanto ao Prêmio Francisco Cunha Pereira Filho?

Que se inscrevam. Dedicar-se à produção intelectual é muito gratificante.

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