25/03/2018

Alguns males da leitura digital

Por René Ariel Dotti

Pode-se entender como leitura digital a que é realizada por meio de suportes tecnológicos, ou seja, mídias eletrônicas, redes sociais, blogs e outras plataformas. Nenhuma dúvida existe quanto às extraordinárias vantagens que esse novíssimo processo de comunicação exerce na correspondência entre as pessoas estejam onde elas onde estiverem, próximas ou distantes. Ignorar essa realidade seria tapar o sol com a peneira. Seria desprezar os imensos benefícios gerados no cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros, além de ignorar fenômenos mundiais como a primavera árabe caracterizada por protestos, revoltas e revoluções populares que derrubaram velhos governos autoritários no Oriente Médio e no Norte da África, sem a utilização de meios e instrumentos convencionais de guerra.

Diferentemente, os textos gravados em papel, revolucionaram o mundo a partir do Século XV, por Johannes Gutenberg (1398 -1468) com a máquina de impressão em tipos móveis. É a leitura grafada num objeto material distinto do monitor onde se podem registrar sinais ou figuras.

Uma das questões muito discutidas atualmente entre estudiosos e praticantes da leitura digital é a facilidade para excluir a outra forma de escrita, ou seja, o antigo exercício intelectual na maior ou menor extensão: redigir uma carta ou escrever um livro. Claro que é mais fácil expedir um e-mail que mandar a mensagem pelo correio com selo no envelope. Mas, em relação aos textos científicos, artísticos e literários, a leitura na tela é suficiente o bastante para a melhor compreensão do conteúdo da imagem, palavra ou texto, substituindo o dicionário? Penso que não. A resposta vem de um best seller: The shallows: what the Internet is doing to our brains (A geração superficial: o que a Internet está fazendo com os nossos cérebros) do escritor americano e membro do conselho editorial de consultores da Enciclopédia Britânica, Nicholas Carr (1959-). A versão em português é editada pela Agir (2011) com a tradução de Mônica G.F Friaça.

Reproduzo um lúcido trecho: “As dádivas são reais. Mas elas têm um preço. Como sugeriu McLuhan, os meios não são meramente canais de informação. Fornecem o material para o pensamento, mas também moldam o processo do pensamento. E o que a net parece estar fazendo é desbastar a minha capacidade de concentração e contemplação. Quer eu esteja on line quer não, a minha mente agora espera receber informação do modo como a net a distribui: um fluxo de partilhas em movimento veloz. Antigamente eu era um mergulhador em um mar de palavras. Agora deslizo sobre a superfície como um sujeito com um jet ski”. (P. 19. Negritos e itálicos, meus).

Afinal, “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. A Internet é um apoio, uma bengala para se andar com mais segurança e rapidez. Mas é um instrumento físico de comunicação e diálogo. Não lhe permite acessar a imaginação, que é a reserva indevassável da alma. Faça uma aposta consigo mesmo: pense em redigir uma carta de amor.

René Ariel Dotti é advogado e professor.

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Este artigo foi originalmente publicado no site do Escritório Professor René Dotti em 09/01/18.

Crédito de imagem: divulgação/Amazon

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