31/08/2021

Uma inspiração chamada René Dotti

Por Tarcísio Araújo Kroetz

A trajetória de René Dotti é por si só uma obra de arte. Apreciar sua atuação, seus estudos, pareceres e posicionamentos é um exemplo para todo e qualquer advogado. É com muita honra que o Instituto dos Advogados do Paraná prestou essa homenagem e externou o agradecimento pelo muito que ele fez pela advocacia paranaense.

Em 2020, o Conselho deliberou que o Professor fosse agraciado com a Medalha Pamphilo D’Assumpção, a maior honraria do nosso centenário Instituto.

Quando comunicado, ele expressou grande alegria. Infelizmente, a entrega da medalha é póstuma, mas abriu a oportunidade para festejarmos sua laureável memória.

René Dotti era um homem de palavra e da palavra. Entre jornalistas, nas redações, sentia-se em casa. Exercia a defesa das liberdades individuais pela pena, como arguto articulista de permanente disposição para defender os que eram vítimas da censura – sobretudo nos tempos da ditadura.

O exemplo de Dotti nos ensina que a nossa profissão se faz nos Tribunais como patronos dos interesses de nossos clientes, é bem verdade, mas também em outras quadras.

O sacerdócio da advocacia transcende o estudo de textos legais. A vocação do advogado exige posicionamento e a participação como protagonista na defesa das liberdades individuais – desde a participação crítica no processo legislativo, até a denúncia de transgressões praticadas pelos poderes da República quando mutilam a democracia e os princípios constitucionais.

Ações que exigem reações enérgicas e eficientes não podem deixar de fazer parte da pauta perene da advocacia: a segurança jurídica, a liberdade econômica e respeito às instituições.

Infelizmente, os tempos estão sendo pródigos em transgressões que violam o estado democrático de Direito.

Nesta semana, em particular, não posso deixar de mencionar a atuação ímpar de nossas corporações profissionais (em especial do nosso batoniê Cassio) e de seus membros no desfecho do famigerado dispositivo da MP 1.040, que ameaçava transformar, a fórceps, advocacia em atividade mercantil. Não fosse audácia de alguns bravos militantes, como os associados professores Assis Gonçalves Neto, Carlos Eduardo Hapner e Rodrigo Xavier Leonardo, bem como os membros do CESA, teríamos a nossa profissão transformada em mercado de balcão.

Na mesma toada, a pretensa Reforma Tributária proposta, com o pretexto de promover “Justiça Social”, penaliza os advogados e profissionais liberais ao tributar a pessoa jurídica e agora também a pessoa física.

O incremento significativo da carga tributária fragiliza sobremaneira a subsistência daqueles que necessitam da autonomia de vínculos patronais. Essa batalha não acabou. Precisamos de mais mulheres e homens corajosos como René, sem o medo de denunciar e de lutar.

Senhoras e senhores, basta de retrocessos. Não podemos admitir calados que a função jurisdicional faça investigação, acuse e julgue o crime que entender discricionariamente relevante. Também temos que nos insurgir contra a sede de poder absoluto, que pretender mitigar a competência constitucional dos poderes legislativo e judiciário.

Nossas armas, com inspiração de Dotti, limitam-se à pena, à palavra e à coragem na defesa dos preceitos constitucionais. As críticas que fazemos reiteradamente aos desacertos da legislação e às conhecidas fragilidades de nossa democracia não autorizam que quaisquer dos poderes extrapolem as suas competências constitucionais. É por isso que não podemos ficar calados diante de abusos e atos discricionários de qualquer poder. A Justiça reside no equilíbrio e é amparada por freios e contrapesos previamente definidos e avessos a ativismos.

Ora, não podemos aceitar que as instituições de classe, como nosso IAP, que são estatutariamente APARTIDÁRIAS, flertem com o poder na promessa de cargos ou que viabilizem carreiras políticas. A independência nos fortalece e liberta.

Por fim, não posso deixar de registrar que a chave do magnetismo que o professor René exercia sobre os alunos era a conexão direta que apresentava entre o Direito e a vida real. A desmedida aprovação das inúmeras faculdades de Direito que visam apenas ao lucro pela contraprestação de um precário ensino jurídico enfraquece a advocacia de escola.  A aprovação pelo MEC de cursos de Direito na modalidade de Ensino à Distância é mais um golpe na formação dos profissionais, que tanto valorizava o nosso homenageado e o sempre professor.

Assim como René, não podemos transigir com os princípios que defendemos e tampouco com os ideais que pregamos. Nossa missão é oferecer ouvidos, compreender e acolher a todos, sem exceção, que necessitam de advogados para defender a integridade da alma da dignidade da pessoa humana.

Agora que os tempos provocam o Instituto a uma árdua missão de denunciar, protestar e de reivindicar a justiça, temos conosco a inspiração do nosso patrono René e sua lição de que os momentos de dificuldade forjam o caráter e purificam os valores de nossa instituição.

A quem soube ousar, a quem viveu a vida com intensidade, a nossa gratidão de compartilhar sua existência acolhedora como aluno, confrade, colega e amigo.

Tarcísio é Presidente do Instituto dos Advogados do Paraná  – IAP-PR

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