19/03/2019

‘A extinção da Justiça do Trabalho foi um blefe’, avalia Gomes Coelho em entrevista ao site Justiça em Foco

O presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, Hélio Gomes Coelho Júnior, concedeu uma entrevista ao site Justiça em Foco, analisando o atual cenário jurídico brasileiro. Confira a íntegra:

Justiça Em Foco: Como o senhor avalia o atual cenário jurídico brasileiro?
Gomes Coelho:
 Permita-me alargar um pouco o cenário. Precisamos desconstruir a recorrente afirmação de que nossas Instituições vão bem. Não me parece, definitivamente, ser exatamente assim. Presidente da República impichada. Ex-Presidente da República, ministros, governadores de vários partidos processados e presos. Presidente da Câmara, senadores, deputados, federais e estaduais, processados e presos. Embaralhamento entre o público e privado. Ativismo judicial e julgamentos que transmitem insegurança jurídica. Juízes e mídia em incômodo, indevido e indesejado “affair”. Universidades contaminadas pelo viés ideológico. O quadro indica o divórcio da sociedade e do Estado. A eleição foi pendular, de um extremo para outro lado. O momento é de expectativa.

Dentro de tal ambiência, o cenário jurídico brasileiro recomenda que a nossa Constituição Federal (CF), que recém completou os seus 30 anos, não deva ser revista e muito pouco deva ser emendada. A reforma da Previdência, com alguma conexão com a Trabalhista, e o Projeto anticorrupção e antiviolência estão servidos e dominarão a pauta parlamentar. O Supremo Tribunal Federal já trata da criminalização da homofobia e novamente bulirá, mês que vem, na prisão sem trânsito em julgado. Os agentes econômicos aguardam as iniciativas alardeadas na campanha em favor da economia de mercado. Os sindicatos e Federações de trabalhadores receberam com reservas a MP sobre as contribuições assistenciais. O cenário é para diálogos nos espaços institucionais próprios, ao largo de redes sociais. O Brasil tem urgência.

Justiça Em Foco: O senhor acredita que o momento é de uma politização do judiciário ou até mesmo uma judicialização da política?
Gomes Coelho:
 A nossa Constituição reserva ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de proteger o cidadão e a sociedade contra o Estado, inclusive quando o Legislativo e o Executivo apresentam déficit funcional, ou seja, quando a falta de norma regulamentar impeça o exercício dos direitos e liberdades constitucionais. O manejo mais intenso das ações civis públicas, pelos agentes legitimados, também faz o Judiciário, estadual e federal, bastante protagonista.

Cabe ao Congresso o enfrentamento dos assuntos que a sociedade lhe impõe e que o Ministro Fux chama de “fraturantes”, pois a omissão legislativa acaba levando ao Judiciário a tarefa de admitir o direito e ainda estabelecer balizas para a sua realização. Daí para se afirmar que há ativismo e mesmo uma politização dos juízes é um pequeno passo. Esperemos que cada Poder cumpra a Constituição e que o Judiciário com a discrição que lhe convém profira os julgamentos, com celeridade e coerência, para a segurança jurídica que todos desejam.

Justiça Em Foco: Qual a sua posição sobre a extinção do Ministério do Trabalho e da possibilidade de extinção da Justiça Trabalhista, proposto pelo atual governo?
Gomes Coelho:
 Como qualquer ministério, o do Trabalho integrava a estrutura do Poder Executivo e, logo no primeiro dia útil do seu governo, Bolsonaro o extingue e fatia as atividades entre três Ministérios (Economia, Cidadania e Justiça e Segurança Pública). A decisão foi tomada sem consulta dos diretamente interessados, no caso os mais de 33 milhões de brasileiros com Carteira de Trabalho assinada e milhares de empresas que os empregam.

Fez lembrar o dito popular: “não jogue a criança com a água suja da bacia”. O Ministério do Trabalho – sabíamos todos – estava aparelhado e controlado pela burocracia sindical, interesseira e desacreditada, a água suja; mas a bacia, no caso o MT, seguramente poderia ter sido facilmente higienizada para seguir com os bons, necessários e diversos programas em favor dos trabalhadores e empresas. Sobrou à sociedade o direito de exigir que a prestação de serviço pulverizada seja eficiente e eficaz, porque o Estado está aí para servi-la.

Já quanto à extinção da Justiça do Trabalho, insinuada pelo Presidente da República, sabemos todos, foi um blefe. A Justiça do Trabalho tem raiz na Constituição Federal e não há a mínima condição de seu recorte, seja porque ela integra o Poder Judiciário e ela a quer, seja porque os seus afazeres não serão absorvíveis pelas Justiças Estadual e Federal, que mal carregam os seus próprios processos. A congestão da Justiça do Trabalho decorre do cipoal de leis, decretos e portarias que se junta à cultura do litígio, que precisa ser revista com urgência.

Justiça Em Foco: E sobre os rumores de retirar a obrigatoriedade do Exame de Ordem para bacharéis em Direito, como o Colégio de Presidentes dos Institutos de Advogados do Brasil avalia tal proposição?
Gomes Coelho:
 Os brasileiros precisam estar minimamente informados sobre o assunto. Os dados são assombrosos e preocupantes. O Brasil tem mais faculdades de Direito do que o resto do planeta. Em números, temos perto de 1.500, enquanto no resto do mundo, do Afeganistão até o Zimbábue, há algo como 1.150 faculdades. Só em 2018 foram autorizados 104 novos cursos. A OAB tem cerca de 800 mil advogados ativos e mais de 3 milhões de bacharéis sem ocupação na área jurídica.

Sem rodeio, a proliferação de cursos sem um mínimo de rigor científico, que acolhe uma incontável população de alunos despreparados, acaba produzindo um bacharel sem qualificação para atuar no mercado. Em 2018, a OAB atribuiu a 161 Faculdades brasileiras o seu “selo de qualidade”, ou seja, algo levemente acima de 10% das existentes atendem os requisitos necessários à boa formação de bacharéis. No Paraná, somente 16 foram assim reconhecidas, dentre as 112 que fornecem mais de 17.841 vagas anualmente.

É dizer: sustentar o fim do Exame de Ordem é franquear o exercício da profissão àquele não capacitado, posto que o diploma de bacharel concedido em tal ambiência não traduz a proficiência desejada. Projetos de Lei para a extinção do Exame equivalem quase a um jogar para a torcida — no caso, milhares de reprovados contumazes e milhões de bacharéis que sequer se inscrevem às provas.

Justiça Em Foco: Qual o principal entrave no Brasil que interfere no dia a dia na profissão de advogado?
Gomes Coelho:
 A “progressão geométrica” de escolas e bacharéis, sem dúvida, está entre as causas. O ensino do Direito guarda a mesma “matriz” de um século atrás. As escolas ensinam e cultivam a arte do litígio, preparando profissionais belicosos para o processo civil, penal, trabalhista, administrativo, tributário e etc. Poucas são as que também atribuem boa carga ao aprendizado das técnicas à conciliação, mediação e arbitragem, como soluções alternativas às resoluções dos conflitos.

Atos do Estado também poderiam contribuir, como exemplo, para a não autorização de novos cursos por um prazo de cinco ou dez anos e, ainda, para uma atuação mais rigorosa do MEC sobre as escolas que já estão a funcionar, exigindo delas investimentos em melhorias de suas instalações, bibliotecas, informatização, corpo docente e ainda uma prova efetiva do desempenho mínimo do quadro discente. Precisamos de uma ação legislativa que estimule ambientes extrajudiciais à composição dos conflitos, sem a necessidade do uso do Estado-Juiz que, inegavelmente, consome percentuais expressivos do orçamento para manter um Judiciário aboletado para tratar de mais de 100 milhões de ações, boa parte delas tendo o Estado (em largo sentido) como réu, pois ele produz as leis, não as cumpre e entulha os foros do Monte Caburaí ao Chuí e do Rio Moa à Ponta do Seixas.

Antigamente o Brasil era visto como “o país dos bacharéis”; atualmente é o dos “bacharelepípedos”. Temos a segunda maior população de advogados do mundo, perdendo só para os Estados Unidos da América do Norte, que têm 60% mais de população e um IDH incomparavelmente superior ao nosso.

Fonte: Justiça em Foco

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