14/12/2018

“A Constituição Federal é o avesso ideológico do AI-5”, diz o jurista Francisco Rezek

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Francisco Rezek, juiz do Tribunal Internacional de Haia de 1997 a 2006, falou sobre a Constituição Federal na última palestra promovida pelo Instituto dos Advogados do Paraná (IAP) em 2018. Associados e convidados tomaram o auditório para ouvir o ministro nesta quinta-feira, 13 de dezembro, no exato dia em que o Ato Institucional Número 5 (AI-5), o mais duro golpe desferido pela ditadura contra a liberdade e a cidadania, completa 50 anos. O evento foi promovido em parceria com a Uninter.

Antes da palestra, os diretores do Instituto entregaram o documento de registro de ingresso no IAP a 13 novos associados: Ana Paula Kroetz Oliveira, Anne Caroline Marciquerik Alves, Antônio Cláudio de Figueiredo Demeterco, Eduardo Oliveira Agustinho, Felipe Miguel Mendonça Ferreira, Guilherme Jacques Teixeira de Freitas, Guilherme Siqueira Vieira, Gustavo Barby Vieira, Jean Carlo Leeck, Paulo Evandro Welter, Roberto Ramos Bacelar, Veridiana Marques Moserle e Viviane Coêlho Séllos Knoerr. Cada um deles recebeu os cumprimentos do Ministro Rezek; do presidente do Instituto, Hélio Gomes Coelho Júnior; da vice-presidente Adriana D’Avila Oliveira; do secretário-geral, Tarcísio Krortz; e da diretora Debora Veneral, também representando a Uninter.  Coube ao secretário-geral fazer a oração de boas vindas aos novos associados. Kroetz ressaltou a dedicação do Instituto dos Advogados do Paraná ao estudo e à difusão da cultura jurídica, especialmente nesses tempos em que “reinam a insegurança jurídica e a banalização das instituições”.

Inspiração

“O Instituto dos Advogados do Paraná é chamado a apaziguar ímpetos e a defender o primar da justiça”, afirmou Kroetz. O secretário-geral também fez questão de citar, como exemplo para os jovens associados, o trabalho do advogado Newton José de Sisti, ex-presidente da OAB Paraná. O presidente do IAP considerou emblemática a menção a Sisti, presente na plateia. “O doutor Tarcísio é muito feliz ao enfeixar na pessoa de Newton de Sisti duas qualidades muito caras a advocacia: a ética e a devoção. Sigam o exemplo desse jovem advogado de 84 anos, que nos ensina diariamente a amar o nosso ofício”, disse Gomes Coelho Júnior.

Docente na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Eduardo Agustinho representou o grupo de novos associados com sua oração. Agustinho destacou que vivemos um momento em que é fundamental repensar a atividade jurídica. Ele elencou alguns dos comportamentos do advogado do futuro, lembrando que este futuro já chegou. Entre os comportamentos desejáveis para os profissionais da advocacia atuais estão a resolução de problemas, o pensamento crítico, a criatividade, a capacidade de gerenciar pessoas e a capacidade de se comunicar e de trabalhar coordenado com outras pessoas. “Aquele que só sabe o Direito, nem o Direito sabe”, lembrou ele.

Dois polos

Após a solenidade de ingresso dos 13 novos associados, os presentes assistiram a palestra do ministro Rezek. “A Constituição Federal é o avesso ideológico do AI-5”, lembrou ele em referência ao movimento pendular da história que foi da ausência total de direitos na ditadura para uma Constituição em que os direitos são descritos em minúcias, sendo mais detalhados do que qualquer declaração de direitos humanos já publicada.  Rezek lembra que recentemente houve uma tentativa de bolivarianizar a Constituição Federal. “O libertador Simon Bolívar não merecia o sentido que a palavra Bolivarianismo tomou”, afirmou. Para o ex-ministro a proposta de exercer o poder por meio de conselhos diretórios e comitês, em verdadeiro movimento de sovietização, foi colocada na mesa e retirada na última campanha do Partido dos Trabalhadores. “Até criança sabe o que este sistema representa, o povo não participa.”

Para ele, a expressão “poder popular sem intermediários”, usada pelo presidente da República eleito Jair Bolsonaro na diplomação do cargo, é uma referência à proposta apresentada por seu adversário nas eleições, Fernando Haddad. A proposta não durou até o momento eleitoral, mas surgiu e foi mencionada, indicando que vivemos um momento de profunda clivagem na sociedade brasileira. Rezek também lembrou que uma das críticas mais frequentes à Constituição refere-se ao sistema político do presidencialismo. “É uma crítica rasa, porque o parlamentarismo aniquila a ideia dos três poderes.”

Para o ex-ministro é compreensível que os direitos humanos sejam vistos de modo negativo pelas camadas populares da população. “Taxistas, padeiros, operários, alfaiates, referem-se aos Direitos Humanos ou às pessoas que os defendem como ‘aquela turma dos Direitos Humanos’, e por quê? Porque há uma péssima administração desse modelo pelos responsáveis, por conta da excessiva ideia de universalidade”, afirmou Rezek. Um exemplo disso é o que se viu há alguns anos na França, em que os ativistas eram contra o uso do chador, apontando o véu que cobre a cabeça das mulheres mulçumanas como um desrespeito ao livre arbítrio. No entanto, as próprias mulheres diziam que aceitavam livremente o uso do véu, e que o faziam por manifesta vontade. Aqui no Brasil essa ideia da universalidade está presente quando nos referimos aos índios.

Desvio de foco

Quando concentramos toda a nossa energia em vasculhar as violações dos Direitos Humanos do passado, é possível que situações do presente, que a mídia mostra toda manhã e toda noite, sejam negligenciadas. Para ilustrar essa ideia, Rezek lembrou as prisões de Guantánamo, em Cuba, e de Abu Ghraib, no Iraque. Os presos desses lugares viviam em situação de absoluto desrespeito aos Direitos Humanos. No entanto, exatamente na altura em que essas duas prisões estavam repletas de presos por marines americanos, uma conferência sobre Direitos Humanos, realizada na Bahia, recebeu aqui a autoridade máxima da American Bar Association, que é a entidade equivalente à Ordem dos Advogados do Brasil nos Estados Unidos. Em sua palestra, essa autoridade citou o apedrejamento de mulheres na Nigéria, o atropelo da ampla defesa no Congo e o espancamento de estudantes na Indonésia.

“Foi uma loucura ouvi-lo dizer aquilo tudo quando deveria se ocupar de criticar o seu próprio governo pelo que acontecia em Guantánamo e Abi Ghraib. É esse o aspecto cínico dos discursos em defesa dos direitos humanos, um discurso em que espera que a periferia respeite direitos que os mais poderosos ignoram”, pontuou. Rezek fechou sua fala dizendo-se entusiasmado por perceber que as novas gerações demonstram grande vontade de não faltar ao compromisso com o Brasil e, sobretudo, não faltar ao compromisso com a causa da humanidade.

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